sábado, 5 de dezembro de 2009

Um alfaiate na solidão

Contra as fábricas de roupas, um alfaiate sobrevive ao tempo. Divido entre abandonar ou persistir na única coisa que sabe fazer, os dias vão passando para um aposentado que guarda no bolso uma inquieta solidão.



Por Carolina Sotero

Uma máquina há 60 anos insiste em ruir. Escondida, atrás de uma porta que fica semi-aberta das oito da manhã às quatro da tarde, ela vive rodeada de retalhos. Mesmo velha, enferrujada e sendo um modelo fora de linha, a máquina de costura Singer que já fez muita roupa ainda funciona, “e muito bem”. O dono da relíquia que O velhinho acanhado que há um bom tempo foi laureado com cabelos brancos, nasceu no interior do Estado e foi por lá mesmo que aprendeu a transformar tecido em paletó. Com 16 anos o pai pagou um curso em uma alfaiataria. E daí pra frente o menino que estudou até a 3ª série aprendeu a gostar das linhas e agulhas.

Com 27 anos resolveu morar na capital pernambucana. Decidido a viver de corte e costura, comprou um quartinho na Travessa Encanta Moça, no Pina, e começou seu ateliê. Sentado, costurando, Seu Aroldo viu o bairro do Pina e de Brasília Teimosa nascer. Por volta de 1955, quando chegou, quase não havia casa pelas redondezas. “Mas naquela época eu tinha mais cliente. Ganhava três vezes mais do que ganho hoje. Era costume dos homens fazer roupa com alfaiate, mas hoje ninguém quer mais não”, comenta. Vez ou outra ainda aparece na porta alguém querendo um paletó, mas o alfaiate diz que prefere não fazer, porque não compensa. O preço que algumas lojas masculinas oferecem deixa Seu Aroldo em desvantagem. “Não compensa eu, que trabalho sozinho, fazer e dá um preço muito barato. Fazer paletó é muito trabalhoso”, explica.

Mais do que fonte de renda, o trabalho tem sido para o alfaiate redentor da solidão. Sem mulher, nem filhos, Seu Aroldo tem feito das poucas costuras passatempo para a velhice que chegou sem avisar. Tímido, nunca foi de ter muitos amigos. A profissão que era muito requisitada pela sociedade do século 19, concedeu o privilégio de ter muitos clientes. “Eu conheci muita gente trabalhando assim, era gente de todo tipo, de todo lugar que vinha aqui”. Mas como tempo, as pessoas passam e os clientes com o marchar do relógio estão desaparecendo cada vez mais.

Há mais de 20 anos as batidas na porta do alfaiate diminuíram consideravelmente. Para quem antes fazia calças, camisas de botão e blazers, hoje só sobram pequenos consertos. Um remendo aqui, um aperto do lado de lá. Os clientes que trocaram Seu Aroldo pelas lojas, vez ou outra aparecem. Mas é só para pedir um ajuste. “As calças que eles compram prontas não satisfazem, sempre fica uma coisa sobrando ou faltando”, explica. Ele conta que, depois do crescimento do número de fábricas de roupas, muitas lojas que vendiam tecidos foram fechando. E que depois disso o trabalho de alfaiataria também foi ficando reduzido.

Ele admite que chegou o tempo onde não dá mais pra competir. E não omite que “ficar em casa sozinho é muito ruim”. Então é melhor vir trabalhar. Aposentado pela idade, não consegue acordar e ficar em casa. “Seu eu parar eu vou morrer. Não posso parar”, conta Seu Aroldo que apesar da idade avançada só tem uma diabete controlada e um começo de glaucoma. Fora isso, mais nada. Para se movimentar mais, o alfaiate ainda teve a idéia de tirar o motor da máquina. Enquanto costura, trabalha com as pernas fazendo força para ela funcionar. No entanto quando não tem mais serviço, as pernas ficam paradas e Seu Aroldo pensa em desistir. No entanto não pode mais abandonar a única coisa que lhe restou: o prazer de trabalhar.

Foto de Armando Artoni (mais fotos www.flickr.com/heroisnossosdecadadia)

0 comentários:

Postar um comentário